sábado, 10 de agosto de 2013

"Se Deus não existe, tudo é permitido"?

O título deste post é a famosa frase de Ivan Karamázov. Na verdade, ele não a formulou desse jeito, mas essa é a formulação que a tornou famosa: "se Deus não existe, tudo é permitido". Evidentemente, essa ideia não surgiu com Dostoiévski. De forma um pouco diferente, ela está contida na também famosa afirmação de São Paulo: "Se foi por intenção humana que combati em Éfeso, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, porque amanhã morreremos" (I Cor 15, 32). Como disse, não é bem a mesma coisa, mas tem bastante a ver. E a ideia é certamente mais velha que São Paulo, mas isso não importa.

Recentemente, Julio Lemos escreveu um texto interessante no blogue da Dicta. Antes de mais nada, deixo claro que Julio é um grande amigo e, apesar de possíveis divergências, respeito suas posições nesta discussão. Esclareço, também, que sou mais cientista social do que filósofo. É possível que não use os termos corretos e faça algumas simplificações grosseiras. Mas acredito que, apesar disso, vale a pena sintetizar alguns pontos que considero importantes. Meu objetivo é apenas apresentar alguns argumentos em defesa da ideia de que, "se Deus não existe, tudo é permitido".

O debate sobre a secularização é difícil e está sempre em progresso. Sem tomar posição em qualquer um dos lados, é possível dizer que, a despeito do declínio da frequência ao culto religioso em alguns países, as teorias "clássicas" da secularização vêm sofrendo críticas consideráveis. Se não por outros trabalhos, valeria a pena citar, como exemplos de compreensões mais razoáveis da secularização, A Secular Age, de Taylor; Fé e Saber, de Habermas (recentemente publicado pela Editora Unesp); e Public Religions in the Modern World, de Casanova. No que se refere a testes empíricos das previsões das teorias da secularização, o trabalho mais recente que li foi "Is it Really God's Century? An Evaluation of Religious Support and Discrimination from 1990 to 2008" (2013), de Jonathan Fox. Os achados de Fox contradizem as previsões de declínio religioso no período estudado (sua principal variável dependente é o apoio dos governos à religião).

Qualquer que seja nossa opinião sobre tendências de secularização, parece seguro afirmar que religiões terão um importante papel público no médio e longo prazo. Isso significa que cidadãos religiosos e não religiosos terão de aprender a conviver e a respeitar os fundamentos que uns e outros empregam como justificativa para seus atos.

Acho que Julio concordaria comigo até aqui. No entanto, uma das primeiras ideias que defende em seu texto é a de que "assentar a moralidade sobre proposições religiosas não é apenas um erro filosófico, mas um ato irresponsável". Se entendi o que ele quis dizer, concordo em parte. É claro que, nas atuais democracias liberais, não podemos exigir de cidadãos que assentem sua moral prática sobre um fundamento específico qualquer, seja ou não religioso. Aliás, não podemos exigir nem que cidadãos saibam explicar quais são os fundamentos de sua conduta moral. Se um cidadão de uma democracia liberal segue a lei, isso é o bastante, não importando por que ele a segue. Porém, isso não significa que eu - ou qualquer indivíduo em uma democracia - tenha de aceitar todos os fundamentos da moralidade como iguais, e, mais ainda, isso não significa que não haja uma fundamentação da moral superior às outras (não estou dizendo que há, mas que poderia haver).

Minha discordância com a frase de Julio descrita acima se dá por ele entender que "a crença ou descrença nesse fundamento [ou em qualquer fundamento para a moral], não afeta a nossa existência, e portanto, não afeta a substância de nossos atos". Então, mais uma vez: é evidente que cidadãos não podem ser obrigados a assentar sua moral em tal ou qual fundamento. Eles nem mesmo precisam saber expressar qual é esse fundamento. Como Julio disse em outro comentário, as pessoas sabem (em alguma medida) o que é certo e errado sem ter de recorrer a filosofias de ética. Tudo bem. Mas isso não tem relação necessária com a ideia de que "a crença ou descrença nesse [ou em qualquer] fundamento não afeta a nossa existência", nem a "substância de nossos atos". Parece-me claro que a crença em tal ou qual fundamento afeta, sim, nossa existência e nossos atos.

A convivência em democracias liberais - marcadas pelo "fato do pluralismo razoável" - exige dos cidadãos a disposição de lidar com justificações da moral diferentes das que eles mesmos esposam. Há um grande debate na teoria política contemporânea sobre essa questão, mas cito apenas dois exemplos de possíveis "respostas": a ideia de razão pública de John Rawls e o ideal de engajamento consciente, de Christopher Eberle. Se assumirmos a expectativa de que as religiões manterão sua vitalidade no futuro (ou, simplesmente, de que o pluralismo será uma constante nas sociedades humanas), é de suma importância que se chegue a algum tipo de concepção de justificação pública. No entanto, creio que buscar tal concepção não equivale a dar um fundamento para a moral que prescinda de crenças. São coisas diferentes. É justamente porque não podemos chegar a esse fundamento que precisamos de uma concepção de justificação pública que "acomode" os diferentes fundamentos.

Se todas as fundamentações da moral levassem à mesma moral prática, bastaria convencer os cidadãos de que, "seja você muçulmano, cristão, comunista ou naturalista, tudo vai dar no mesmo". Porém, se compararmos cidadãos esposando diferentes fundamentos da moral, chegaremos a diferentes resultados, mesmo se controlarmos pelo rigor com que seguem seus respectivos preceitos. Como argumentei em um comentário no Facebook, isso ficaria mais claro se comparássemos o que cada doutrina moral tem como seu ideal, aquilo que considera o homem plenamente realizado. Será que não veríamos diferenças entre o santo católico, o awliya muçulmano, o além-do-homem de Nietzsche e o "único" de Stirner? É claro que, para tal comparação, precisaríamos de contrafactuais, de modo a saber como esses indivíduos se comportariam caso não adotassem tal ou qual doutrina, e não sei até que ponto isso seria possível.

Então, acredito que diferentes fundamentações da moral levem a diferentes resultados práticos. E o que isso tem a ver com a ideia de que, "se Deus não existe, tudo é permitido?" Bastante coisa. Suponhamos que "Deus" se refira a algum fundamento metafísico. Não precisa ser o Deus judaico-cristão, senão alguma coisa que não seja redutível à Física. Suponhamos, também, que seja possível pensar em um continuum que vai do extremo teísmo ao extremo ateísmo. Tendo em mente tal continuum, não estou dizendo que (i) "só os indivíduos localizados no extremo teísmo estão justificados a ser bons", nem que (ii) "indivíduos localizados em qualquer ponto que não o extremo teísmo não têm justificativas para ser bons". Não estou afirmando essas duas proposições, mas sim uma terceira: que (iii) "indivíduos localizados no extremo ateísmo não têm justificativa para ser bons".

É claro que se pode objetar: "mas, apesar disso, muitos ateus extremos são bons". Sim, é verdade. Mas, neste ponto, meu argumento seria: esse indivíduo que está localizado no extremo ateísmo do continuum (cujo exemplo, para mim, seria o Alex Rosenberg, para quem TODA realidade é apenas férmions e bósons) não está sendo coerente com a própria crença. Ele diz professá-la, mas não a segue de fato. Porque, se todos os seres humanos ao seu redor são apenas um amontoado de moléculas, não há por que, no limite, respeitar a dignidade deles. Ou, por outra: respeitaríamos a dignidade deles até onde isso nos fosse útil. De modo geral, creio que mesmo o indivíduo para o qual o ateísmo extremo faz parte da própria autocompreensão mantém, ainda que implicitamente, um pressuposto metafísico para justificar valores tais como a inviolabilidade da vida humana.

Se os seres humanos ao nosso redor são apenas amontoados de moléculas, se não há nenhum tipo de fundamento metafísico, então não há por que ser bom. Não há por que não tratar um amontoado de moléculas como... Um amontoado de moléculas, oras. Se há, então é porque, no fundo, no fundo, esse amontoado de moléculas não é apenas um amontoado de moléculas. É alguma coisa a mais do que isso.

Creio que a maior parte dos ateus extremos como Rosenberg não age como se seres humanos fossem apenas "amontoados de moléculas". Isso não contradiz meu argumento, e sim o ateísmo extremo de Rosenberg. Mas, embora esse naturalismo radical - ou qualquer outro tipo de ateísmo extremo - não faça com que seus adeptos declarados ajam por aí negando sistematicamente a dignidade humana, isso não significa que tal crença não tenha consequências práticas. Embora o grau de importância dessas consequências dependa de como elas são avaliadas, elas não podem ser desprezadas. Se não por outros exemplos, basta pensar na eugenia.



domingo, 11 de março de 2012

Issues at stake in Brazil's debate on homosexuality

(Publicado originalmente no dia 7 de março de 2012, no MercatorNet: http://www.mercatornet.com/conjugality/view/10401)


On February 27th, Folha de São Paulo, one of Brazil’s largest daily newspapers, printed the following headline: “Evangelical caucus’ bill proposes to legalize ‘gay cure’”. Other newspapers have also highlighted the story and, thanks to the internet, a few days were enough to spread the news rapidly. Most newspapers and websites have not served the public well on the issue. However, discussion on the topic confronts us with two debates of paramount importance for the Brazilian society, which go far beyond this episode: one, that on the prevailing conception of human being; second, the issue of freedom of expression. In addressing these debates in a shallow way, Brazilian media has done a disservice to society, especially to the group most exposed to the news: homosexual men and women who consider their sexual orientation an issue.

In 1999, Brazilian’s Federal Council of Psychology (FCP) announced a Resolution which established standards of performance for psychologists on the issue of sexual orientation. The Resolution 1/1999 assumed an anthropological conception that naturalizes sexual impulses, much like the vision behind the creation of the homosexual identity.

The Resolution had six articles, but two of them were the most significant. Through its articles 3rd and 4th, the Resolution stated that Brazilian psychologists (a) can not consider homosexual orientation as something susceptible to cure or treatment, and (b) can not speak out publicly in order to refer to homosexual orientation as some kind of problem. Since the Resolution’s publication, at least two Brazilian psychologists had problems with the Federal Council. They were threatened with the loss of their license, if they continued to express, through their personal blogs, that homosexual orientation could be treated. Both psychologists are Christians.

The situation remained unchanged until June 2011, when the leader of Brazilian evangelical caucus, congressman João Campos, introduced a bill aimed at suppress the two mentioned articles – just the two, not the whole Resolution. At present, the bill is being reviewed by a committee. In Brazil, the processing of congressmen’s bills is slow, and usually end up being archived at the end of the legislature, without even being considered. Indeed, Campos’ project is the second of this kind, since the first, written by another congressman, was eventually forgotten.

It must be acknowledged that the Resolution in question has a commendable aspect. It prohibits psychologists from discriminating against the sexual orientation of their patients. In the world of psychotherapy, nothing seems more atrocious than the discrimination against a patient, whether it is due to race, gender, social class, creed or sexual orientation. It seems clear that a discriminatory act against a patient should be followed by some kind of punishment to the psychologist in question, maybe even the loss of his or her license.

However, the Federal Council’s Resolution does not establish clear standards for psychologists who receive a homosexual patient dissatisfied with his or her situation. In its current form, the resolution indicates that, even though psychologist and patient strongly believe that homosexual orientation is problematic, any initiative of the psychologist to move in this direction would be prohibited.

Most of Brazilian media saw nothing wrong with that. Instead, its general approach was to characterize Christian psychologists as intolerant fanatics. Needless to say, this is not a specific problem of Brazilian media, or even of Brazilian society. In fact, there is a large consensus that, on anthropological grounds, sees sexual impulses as one of the first definers of individuality. Moreover, the homosexual movement has long defended the idea that homosexual orientation is due mainly to biological traits, and not psychological ones. The defence of this idea can be understood historically as a response to the need homosexuals had to create a “homosexual identity”, so that they could claim rights from it. A little look at the U.S. Supreme Court cases dealing with this subject shows that, until very recently, the penal codes of some states criminalized sodomy, even if consensual. Perhaps the change in this scenario has, at least partially, required the creation of the homosexual identity.

Based on the anthropological conception above, most of Brazilian public opinion seeks, with good intentions, to protect the rights of homosexuals. However, in doing so, it generally accepts the premise that human sexual orientation is fixed and determined. Therefore, it refuses to consider seriously the possibility that some homosexuals have to, in full possession of their consciousness, consider their sexual orientation a problem to be treated. Effort by homosexuals to change their sexual orientation is generally regarded as a mistake, based on a false view of the world and of themselves, and explained by the prejudicial environment to which they have supposedly been exposed. Although the increasing number of reports of people who reversed their homosexual orientation, as Melinda Selmys did, should create some kind of positive impact on public opinion, homosexuals who want help in Brazil still seems not to be taken seriously. It’s okay if a heterosexual “comes out” as a homosexual, but the opposite way is strictly prohibited.

This takes us, however, to the second and no less important issue raised by congressman Campos’ bill: the right to freedom of expression. First of all, it is important to remember that current liberal democracies rightly guarantee the right of citizens to political apathy and, more important, the right to be left alone. It is assumed that, whatever is a homosexual’s opinion about himself, the last thing he wants is to be bothered by people telling him how to lead his life. Likewise, it goes without saying that a homosexual who hears from his psychologist that he should seek a cure, without having shown any desire to it, would feel rightly offended.

Nevertheless, this does not change the fact that, with the current Resolution, Brazilian psychologists have their freedom of expression severely restricted. Actually, the problem goes well beyond the dispute between psychologists and the Council. The conflict between Christian groups and homosexual movements occur in most of liberal democracies. It looks like a “zero sum” game, a situation in which the gain of one part necessarily leads to the loss of the other. On one side, there is a group whose sexual orientation is a constitutive element of its identity. On the other, there is a group which rejects the very idea that sexual orientation could define a human being. For homosexuals, any speech that refers to homosexual orientation as a deviation, disorder, disease or even a problem, is an expression of prejudice. For Christians, any law that limits their freedom to say that homosexual orientation is a problem, violates their freedom of expression.

The lack of consensus on this issue, in the short term, presents Brazilian society with a problem. One must think what kind of trade-off between civil liberties and civil rights is desirable. But to all of those who share an anthropological conception different from the one espoused by Brazilian’s public opinion, whether it be religious or not, it is also necessary to fight for a more broad view of human nature. Men and women are defined by many things before their sexual orientation. One should recognize that homosexual movements achieved rights that should be preserved. However, it is not possible to ignore the perils of a reductionist view of human being. In this case, such a view threatens the freedom of homosexuals to seek treatment, as well as the freedom of psychologists to offer them.

Fabio Lacerda M. Silva works at Consórcio de Informações Sociais (CIS) and pursues a master’s degree in political science at University of São Paulo (USP).


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Comentário leviano sobre a música

Há duas semanas, enquanto trabalhava no banco de dados de minha pesquisa de mestrado, sintonizei, como de hábito, a Rádio Cultura. Por volta das 16h, foi com satisfação que ouvi o programa Pergunte ao Maestro, com o simpático João Maurício Galindo. Ele respondeu à pergunta de um ouvinte sobre se o rock progressivo poderia ser considerado música erudita. Gostei da resposta («depende», disse ele), mas não foi propriamente ela que me chamou atenção. Fiquei curioso com a afirmação de Galindo de que, no que diz respeito a rock progressivo, bandas como Yes faziam música para ser apreciada. «Ora», alguém poderia dizer, «acaso algum músico faz música para que as pessoas não a apreciem?» Não exatamente. O que Galindo quis dizer, se bem o entendi, é que, até algumas décadas atrás, mesmo algumas vertentes da música popular eram elaboradas de tal modo a que as pessoas fossem aos shows com o único objetivo de ouvi-las. As pessoas iam a shows de banda de rock progressivo com a mesma disposição de quem vai ao show de uma orquestra de câmara: ir para ouvir música.

«E por um acaso», perguntam-me meus botões, «e por um acaso alguém vai a um show para alguma razão que não seja ouvir música?» Sim, eu sei, pode parecer incrível e chocante. Mais la vérité, meus amigos, l’âpre vérité, é que, hoje, ouvir música é provavelmente a quarta ou quinta razão pela qual alguém vai a um show de música popular. Tudo bem, alguém poderia dizer que, na década de 1970, as pessoas iam a shows de rock progressivo para se drogar, e, por tabela, ouviam música. É provável. Ademais, muitas bandas atuais de música popular ainda têm públicos que vão a shows apenas para ouvir música. De fato, devem existir muitas.

No entanto, isso não muda o fato de que, hoje, há um número proporcionalmente maior de bandas de música popular cujos shows são freqüentados com outros objetivos que não o de ouvir música. E que objetivos são esses? ‘Pegar alguém’, ‘encher a cara’, usar drogas, dizer que esteve no show, ver um ídolo, etc. Convenhamos: quem freqüenta festivais como SWU, Rock in Rio, Festival Natura ou qualquer coisa do gênero, não vai exatamente para ouvir música. Se fosse para ouvir música, colocava o disco da banda no toca-discos e ouvia. Mas não. Atualmente, na lista de preferências da pessoa que freqüenta um festival de música, ouvir música é a quarta ou quinta preferência.

«E o que você tem a ver com isso?», perguntam-me meus incrédulos e indignados botões. Bem, nada. Sou apenas um velho ranzinza. Mas acho interessante constatar o rebaixamento cultural de nossa época. Se as pessoas se dão ao trabalho de ir a festivais, compram ingressos caros, enfrentam filas, instalam-se a centenas de metros do palco, não enxergam direito a banda, ficam de pé, para não falar nos problemas técnicos típicos desses eventos, é porque não estão lá pela música. Isso não é um problema, que fique claro. O problema, se há algum, é que tantas bandas se conformem com isso, e aceitem que seus shows sejam eventos para os mais diversos fins, menos para ouvir música.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Católicos franceses votam na direita

Do site do jornal La Croix ( http://www.la-croix.com/Actualite/S-informer/France/Les-catholiques-votent-majoritairement-a-droite-_EP_-2012-01-18-759220).


Les catholiques votent majoritairement à droite

Par rapport à l’ensemble des Français, les catholiques pratiquants privilégient Nicolas Sarkozy mais se tiennent à distance de Marine Le Pen.


Nicolas Sarkozy arrive toujours en tête des intentions de vote des catholiques. Selon un sondage publié jeudi 19 janvier par l’hebdomadaire Pèlerin (groupe Bayard), le chef de l’État obtiendrait, au premier tour de la présidentielle, 33 % des voix des catholiques devant François Hollande à 25 %.

Le rapport de force est ainsi inversé par rapport aux intentions de vote de l’ensemble des Français qui placent le candidat socialiste à 30 %, devant Nicolas Sarkozy à 25 %.

Au second tour, si ces deux favoris sont finalistes, les catholiques voteraient à 53 % pour le président sortant (41 % chez l’ensemble de Français) et à 47 % pour François Hollande (59 % chez l’ensemble des Français).

DÉPEND DU DEGRÉ D’ADHÉSION À LA RELIGION

L’enquête TNS-Sofres réalisée pour Pèlerin et le Centre Sèvres (Facultés jésuites de Paris) confirme ainsi l’ancrage à droite de l’électorat catholique. Début avril 2002, Jacques Chirac obtenait 25 % devant Lionel Jospin à 20 % et, cinq ans plus tard, en mars 2007, Nicolas Sarkozy attirait 33 % des intentions de vote contre 22 % pour Ségolène Royal.

Le « vote catholique » recouvre toutefois des réalités très différentes selon le degré d’adhésion à la religion. Ainsi, chez les catholiques pratiquants réguliers, Nicolas Sarkozy obtient un très gros score, 50 %, contre 13 % à François Hollande.

Chez les catholiques non pratiquants en revanche, le premier ne réalise que 27 % (soit près de deux fois moins) et le candidat socialiste 29 % (plus de deux fois plus).

Les catholiques pratiquants réguliers se situent ainsi plus à droite que les non pratiquants mais se tiennent beaucoup plus à distance de l’extrême droite. Ainsi, seuls 15 % des pratiquants déclarent vouloir voter pour Marine Le Pen contre 22 % des non pratiquants.

SCORE DES CANDIDATS PROCHES DES MILIEUX CHRÉTIENS

Les résultats des pratiquants réguliers, que l’on peut considérer comme le cœur de l’électorat catholique, sont les plus intéressants à analyser dans le détail. Sur leur positionnement politique, ils se situent 37 % à droite, à 22 % au centre et à 11 % à gauche ou très à gauche.

Seuls 4 % se disent très à droite. Au second tour de la présidentielle, ils voteraient à 75 % pour Nicolas Sarkozy et à 25 % pour François Hollande. Signalons enfin le score modeste des candidats proches des milieux chrétiens.

François Bayrou ne réalise que 14 % au premier tour (11 % pour l’ensemble des Français) et Christine Boutin ne décolle pas du 0 %.

Sondage réalisé du 6 au 9 janvier auprès d’un échantillon de 2 007 personnes de 18 ans et plus, selon la méthode des quotas.

BERNARD GORCE18/1/12 - 12 H 17 MIS À JOUR LE 18/1/12 - 17 H 05

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A USP e a defesa da civilidade

Direitos nem sempre são defendidos nos limites da lei. Se não por outros exemplos, um exame sobre a aquisição de direitos no Brasil ao longo do século XX é suficiente para tornar tal afirmação compreensível. Que manifestações políticas tenham de, por vezes, exceder os limites institucionais em regimes antidemocráticos, é algo que se pode compreender facilmente. A história brasileira oferece exemplos bastante claros, como o Estado Novo de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e a ditadura militar de 1964 até a metade da década de 1980. Nesses dois casos, a defesa de direitos civis básicos necessariamente ultrapassava as margens – naqueles casos, arbitrárias – da lei.

No entanto, é fato digno de nota – embora, talvez, menos evidente – que a defesa de direitos básicos pode exceder os limites institucionais também em regimes democráticos. Como exemplo deste caso, poderia ser dada a atuação de movimentos políticos no Brasil pós-1988, que, embora sob a égide de uma Constituição que já lhes garante direitos sociais, precisam agir nos limiares da lei para fazer valer esses mesmos direitos. É preciso, pois, ter claro que a defesa de direitos pode, e em alguns casos excepcionais deve, exceder a lei. Embora tal fato seja mais evidente em regimes autoritários, pode muito bem ocorrer em democracias como a brasileira.

Ao extrapolar os limites institucionais, movimentos pela defesa de direitos precisam justificar a legitimidade de suas ações a partir de um fundamento moral. Os movimentos políticos devem agir segundo preceitos aos quais se acredita que os outros cidadãos possam razoavelmente aceitar. Do contrário, nenhum diálogo seria possível. Ainda que contrárias à lei, certas ações podem ser aceitas se, além de razoáveis e moralmente justificadas, respeitarem aquilo que John Rawls chamou de o «dever de civilidade».

Desde o dia 27 de outubro, quando três estudantes foram enquadrados pela polícia militar por fumarem maconha, a USP foi palco de manifestações radicais. Entre elas, são dignas de nota a ocupação do prédio da Administração da FFLCH; a ocupação do prédio da Reitoria da universidade; a declaração de uma greve geral dos estudantes; o uso de piquetes e «cadeiraços» – retirar as cadeiras das salas de aula – para fazer valer a greve, ainda que ela não fosse apoiada por todos os estudantes; e o adiamento das eleições do DCE para o ano que vem.

Ainda que o movimento estudantil da USP goze de algum apoio dentro da universidade, é patente que a quase totalidade dos estudantes não apoiou os atos acima. Via de regra, o apoio ao movimento estudantil se dá apesar de suas ações extremadas, e não por causa delas. É possível reconhecer a insatisfação de muitos estudantes, seja com a estrutura participativa da universidade, seja com a atuação da PM dentro da USP e fora dela. Porém, em que pese a dificuldade de julgar a ação de movimentos radicais que ultrapassam os limites da lei, e em que pese a insatisfação estudantil acima referida, os estudantes – como, de resto, toda a comunidade universitária – não reconhecem como legítimos os atos extremados do movimento estudantil. Piquetes, «cadeiraços» e ocupações não são apenas ilegais, mas violam também o dever de civilidade, não podendo, pois, ser justificados aos demais cidadãos brasileiros.

Este ano está começando e os ânimos estão arrefecidos. O movimento estudantil uspiano, porém, promete dar continuidade às manifestações logo no início do ano letivo. Se as férias de janeiro não forem suficientes para dar tranqüilidade às divergências na universidade, corre-se o risco de que o clima de civilidade reinante seja substituído pelo medo e por ações ainda mais radicais do que as já ocorridas. Como conseqüência, tal resultado não apenas levaria a mais agressões, senão também colocaria em risco a excelência acadêmica da USP, notadamente a de sua Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde os protestos costumam ser mais extremados, sendo, portanto, a faculdade que mais sofre com o clima de radicalização.

Esta não é uma manifestação para que o movimento estudantil da USP deixe de cumprir seu papel. É, pelo contrário, um pedido para que os estudantes da USP defendam suas posições, de modo radical, se for necessário; mas que, sobretudo, defendam também a civilidade na universidade. Se a tolerância, o respeito, a cortesia; se, numa palavra, a civilidade for perdida, então os estudantes perderão as salvaguardas de que suas posições podem ser ouvidas. Se a civilidade for perdida, os estudantes da USP se verão naquela infeliz situação dos sofredores descrita por John Locke, à qual, por não terem mais a quem apelar, terão apenas, como único remédio, ‘apelar aos céus’.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A USP, as ocupações e o golpe

Sendo estudante da pós-graduação da USP, imagino o que aconteceria se, nos corredores de minha faculdade, algum desconhecido me interpelasse a respeito da recente «crise» na universidade. Alguém que desconheça o início da «crise», mas que, de repente, seja informado sobre todas as manifestações do movimento estudantil ocorridas desde o dia 27 de outubro, certamente pensará que foram necessários atos muito vis para provocar tamanha indignação. «Como assim?», perguntará o sujeito a seus botões. Estudantes se revoltaram contra a polícia militar? Ocuparam o prédio da Administração da FFLCH? Ocuparam o prédio da reitoria? Os estudantes declararam greve geral? Fizeram piquetes na entrada do prédio da Letras e, depois, retiraram as cadeiras das salas do prédio de Ciências Sociais e Filosofia? Mobilizaram-se em assembléias com mais de 2 mil alunos? Divulgaram abaixo-assinados a veículos de imprensa? Exigem que a polícia militar saia imediatamente do campus? Exigem a saída do reitor da universidade? Adiaram as eleições do DCE para o ano que vem?

O indivíduo que desconhece o que se passa na USP, e acaba de ser informado a respeito das mobilizações estudantis, certamente pensará que algo de muito grave aconteceu. Protestos tão inflamados não podem surgir sem uma causa significativa. Curioso, esse indivíduo aventará algumas possibilidades. Talvez a PM tenha agido de modo arbitrário e truculento, como lhe é comum, causando assim a indignação dos estudantes. Talvez o reitor tenha tomado alguma medida polêmica, flagrantemente contrária ao estatuto da universidade. Talvez haja grupos fascistas de extrema-direita perseguindo minorias dentro do campus. Talvez as três coisas juntas.

Imagino qual seria a reação desse indivíduo se eu lhe dissesse que nada disso aconteceu. «Ah, como assim?», dirá, exaltando-se. «Você está querendo me dizer que todos esses protestos enfurecidos estão ocorrendo sem nenhuma causa?» Não exatamente. Não iria tão longe a ponto de negar o princípio de causalidade. É evidente que, se esses protestos ocorrem, têm alguma causa. O que quero dizer é simplesmente que a causa não pode ser apreendida a partir dos protestos, e que, a despeito das ações do movimento estudantil sucedidas desde o dia 27 de outubro, nem a PM, nem o reitor violaram os direitos ou liberdades básicas de quem quer que fosse. A PM cometeu uma ilegalidade, qual seja, a não identificação dos policiais no momento da desocupação. Quanto aos grupos fascistas, se existem, são uma reação às ações extremadas do movimento estudantil, e não o contrário (basta ver isso aqui). «Ora, então você está afirmando que os estudantes começaram protestos radicais sem razão para fazê-lo?» Sim, é o que estou afirmando.

É preciso fazer três esclarecimentos. Em primeiro lugar, (1) os principais responsáveis pelos atos ilegítimos de ocupação dos dois prédios, piquetes, cadeiraços e atos afins são estudantes radicais ligados a partidos extremistas. Esses estudantes não representam a maioria dos estudantes da USP. Possivelmente, não representam nem suas famílias. Em segundo lugar, (2) a afirmação de que as referidas manifestações radicais do movimento estudantil são «ilegítimas» não implica em uma condenação a toda e qualquer manifestação radical. Não estou, portanto, dizendo que a contestação fora dos limites institucionais seja, por si só, ilegítima (devo este esclarecimento ao Lucas e Renato). Pelo contrário, em muitos casos ela é fundamental. Em uma democracia, diversos direitos são adquiridos graças à luta de movimentos atuando no limiar da lei. No entanto, as manifestações que se sucederam a partir do dia 27 de outubro, notadamente as ocupações, os piquetes e o cadeiraço, são, sob quaisquer pontos de vista, ilegítimas. São atos autoritários, que atentam contra os direitos de outrem e não são apoiados nem pela maioria dos estudantes, nem pela instituição que, supostamente, representa-os, o DCE. Além de tudo isso, suas reivindicações são vagas e mudam constantemente.

Em terceiro lugar, (3) embora seja difícil julgar a conduta da polícia militar, afirmo que, desde o dia 27 de outubro até hoje, ela agiu de modo não-condenável, o que é diferente de dizer que a PM agiu de modo «irrepreensível» ou «totalmente aprovável». No dia da desocupação da reitoria, os policiais militares da tropa de choque não estavam identificados. Trata-se de uma infração à lei, que exige que os policiais atuem identificados. Além dessa infração, é possível que, desde o dia 27 de outubro, a PM tenha cometido outras. Talvez, sei lá, algum policial tenha xingado um estudante. Mas, convenhamos, nada remotamente próximo ao que a radicalidade das manifestações estudantis levaria a crer. A polícia militar não violou a integridade física de ninguém, nem no dia 27, quando enfrentou manifestantes após autuar três jovens fumando maconha, nem no dia da desocupação. E a prova disso está nos testemunhos do movimento estudantil, cuja ojeriza à polícia militar é notória. Pois bem, mesmo com todo esse asco, mesmo com toda a vontade de denunciar abusos da PM, não houve nada a ser denunciado. Nada, a não ser a falta de identificação dos policiais durante a desocupação e o fato de terem sido lançadas duas bombas de gás próximas ao CRUSP. Nenhuma violência minimamente comparável àquelas perpetradas pelo movimento estudantil.

E não é só isso. As reivindicações da minoria estudantil radicalizada, sobretudo as que exigem o fim do convênio entre a USP e a PM, a que exige o fim de todos os processos administrativos contra estudantes, e a que pede a renúncia do reitor João Grandino Rodas, carecem de fundamento. Não estou afirmando que sejam reivindicações absurdas (embora, sim, pareçam-me absurdas), mas apenas que, até agora, nenhum dos representantes da minoria radicalizada foi capaz de argumentar consistentemente a favor delas.

É possível que alguns leitores permaneçam incrédulos diante do que estão lendo neste texto. «Como assim? As ações do movimento estudantil se explicam porque o reitor Rodas é um fascista! Ele agiu de modo unilateral e ignorou os canais pelos quais a comunidade acadêmica pode participar das decisões da instituição!» De fato, esta é uma das principais alegações dos estudantes que apóiam os atos extremistas (vejam, por exemplo, esta Nota Pública). Mas teria ela fundamentos? Seria o reitor um fascista?

No fim de 2009, o então governador José Serra deveria escolher um candidato da lista tríplice eleita pela comunidade da USP para ser o reitor da universidade. Ressalte-se, que, desde o fim da ditadura militar, os governadores têm escolhido sempre o primeiro da lista eleita pela comunidade, ou seja, o nome por ela preferido. E o que Serra fez? Ele escolheu Rodas, o segundo da lista. Seria este ato ilegítimo? Não, ao menos do ponto de vista legal. O governador tem a prerrogativa de escolher qualquer um dos três nomes da lista tríplice. Não tenho nenhuma simpatia por Rodas, mas não é nada evidente que sua escolha seja ilegítima, muito menos o são as razões pelas quais ele deveria renunciar.

Mas os estudantes que defendem os atos radicais e extremos ainda poderiam afirmar que não foi propriamente a eleição de Rodas, e sim sua forma de governar que o torna um reitor ilegítimo. Sobre este ponto, não vou me estender muito, pois acho que uma pequena reflexão é suficiente. Por mais desgosto que nos causem as ações do reitor, elas são tão ou menos arbitrárias do que aquelas realizadas pelo movimento estudantil. Quer dizer, qual é a legitimidade das ações do movimento estudantil? O fato de que elas são debatidas em assembléias? Ora, essas assembléias reúnem em torno de 2% dos estudantes da USP, o que significa que as maiorias formadas devem representar pouco mais de 1% deles. Não obstante, os métodos de votação são no mínimo questionáveis; a minoria radicalizada – que, nas assembléias, torna-se maioria – intimida possíveis manifestações divergentes; e não há qualquer controle sobre se os presentes são de fato estudantes. Não bastasse tudo isso, deliberações tais como a ocupação de prédios, piquetes e cadeiraços são flagrantemente truculentas e autoritárias. Isso para não falar no recente adiamento das eleições do DCE (ver aqui), fato que, se fosse contrário aos interesses da minoria radicalizada, certamente seria por ela caracterizado pelo que de fato é, a saber, um ‘golpe’.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Laicismo à francesa

Do site do Figaro: http://www.lefigaro.fr/flash-actu/2011/08/08/97001-20110808FILWWW00376-parisislam-une-caserne-pour-aller-prier.php.

Paris/islam: une caserne pour aller prier

Mis à jour | publié

Les musulmans du XVIIIe arrondissement de Paris qui priaient dans la rue faute de mosquée pourront pratiquer dans une ancienne caserne à partir du 16 septembre, a annoncé le ministre de l'Intérieur Claude Guéant, dans un entretien avec l'AFP. "Les prières de rue, c'est quelque chose qui n'est pas acceptable, directement attentatoire au principe de la laïcité, (et) il faudra que ça cesse", a assuré le ministre, alors que celles du vendredi ont lieu dans les rues Myrrha et Polonceau (Paris XVIIIe), faute de lieux appropriés.

Les responsables du culte musulman, dont le président du Conseil français du culte musulman (CFCM), ont visité les locaux de l'ancienne caserne de Clignancourt avec deux salles importantes, l'une de 1.200 mètres carrés, l'autre de 800 mètres carrés, et "les ont trouvés tout à fait appropriés", a relevé le ministre. Aussi, "il est convenu que le 16 septembre, ces locaux entreront en service", a affirmé le ministre.

Ces responsables ont également indiqué que "pendant toute la durée du ramadan, au mois d'août, il y aurait une information en direction des fidèles leur disant que les prières de rues doivent cesser", a ajouté M. Guéant. A Marseille, où existent des problèmes identiques, "les concertations sont encore en cours, mais l'objectif reste le même: les prières de rues doivent disparaître", a-t-il relevé.


Interrogé sur le fait que des élus issus de la diversité réclament une commission d'enquête sur le marché du travail, après que des produits certifiés halal se sont révélés non conformes, le ministre a estimé qu'il n'était "pas question que l'Etat aille se mêler de ces affaires religieuses". "L'Etat français est un Etat laïc et il ne lui appartient pas d'être l'instrument de l'organisation d'une pratique religieuse", a souligné Claude Guéant.

Aussi "il faut que les responsables du culte musulman, le CFCM qui a édité une charte concernant le halal et les grandes mosquées s'organisent pour que les règles qu'elles ont édictées soient respectées", a-t-il souhaité. Toutefois, a rappelé le ministre, "l'Etat, avec ses services de la concurrence et de la consommation, a une responsabilité, c'est qu'il n'y ait pas de tromperie sur la marchandise. Il y a donc possibilité de faire des recours, de déposer des plaintes", a-t-il conclu.