sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sobre a objeção da muleta

Esta é, talvez, a mais comum. A religião é uma «muleta» para aqueles que não agüentam a verdade, a saber, que Deus não existe, nem o bem e o mal, e a vida não tem sentido. O religioso é covarde e fraquinho porque ele precisa acreditar que há algo além, do contrário se mataria. O cético-ateu, por outro lado, é capaz de reconhecer a falta de legitimidade da existência e sorrir. Enquanto a ausência de sentido da vida atinge o religioso de modo fulminante, o cético-ateu apenas mata-a no peito e a chuta para longe. Se estivessem em uma montanha russa que terminasse em um precipício, o religioso taparia os olhos com as mãos e, em desespero, tentaria se convencer de que o precipício não existe. Em contrapartida, o cético-ateu abriria os braços - em gesto que representa sua corajosa aceitação da existência tal qual ela é, sem sentido e sem valores - e, gargalhando, entoaria um «I have a lust for life!».

Não tenho muito que objetar à objeção da muleta. Mas me permito fazer duas considerações. Às vezes, diz-se que o uso da muleta é uma atitude covarde, pois significa escolher o caminho mais fácil. «Ah, seu covarde, você quer acreditar em Deus porque assim é mais fácil». Ao refletir sobre tal argumento, vem-me à mente a seguinte situação. Dois amigos entram em um restaurante, sentam-se e chamam o garçom. O primeiro pede salmão com alcaparras e o segundo pede um prato cheio de cocô. O que o primeiro responderia se o segundo lhe objetasse, enquanto mastiga aquela massa fétida, ter ele escolhido o caminho mais fácil? Acho que responderia algo do tipo: «sim, é verdade. Comer salmão é mais fácil. A propósito - e se virando para o garçom -, traga mais cocô que o meu amigo está faminto».

A segunda consideração é que, mesmo que se admita ser a religião uma muleta, existe alguém a viver sem qualquer tipo de muleta? Quer dizer, seria possível a alguém viver repetindo a si próprio, a todo instante, dia após dia, que a vida não tem nenhum sentido - ou, como diz o homem ridículo de Dostoievski, que «tudo tanto faz» - e fazê-lo sem a ajuda de entorpecentes, narcóticos, humanismos ateus e outros vícios? Acho que não.