quinta-feira, 24 de julho de 2008

Emma Bovary e a vida religiosa

Le plus médiocre libertin a révê des sultanes; chaque notaire porte en soi les débris d’un poète.

Flaubert, Madame Bovary.


Não vejo como Madame Bovary, de Flaubert, possa ter sofrido tentativa de censura com base em «ofensas à religião», como de fato o foi no início de 1857. Considerada em seu conjunto, a obra é muito mais uma apologia da vida religiosa do que o contrário. Um casamento com um homem medíocre, uma vida burguesa insípida, uma vila onde tudo permanece como está, o olhar melancólico de Emma Bovary para tudo o que lhe cerca faz com que ela devaneie com «verdadeiros» amores, vidas intensas e adultérios. É forçoso reconhecer que, de seu ponto de vista, a maior parte das vidas – seja na metade do século XIX, seja atualmente – se enquadraria nesse quadro que compõe a sua própria. Autrement dit, a insatisfação de Emma não provém de sua própria vida: a grande maioria das outras – para não dizer todas – a deixaria igualmente insatisfeita. A obra não fornece poucas passagens que confirmem este argumento.
Emma não é diferente das outras pessoas. Como ela, todas querem ser felizes. Em algum grau, todas acreditam em algum momento que ao se casar de novo encontrarão a verdadeira felicidade, que se vivessem uma vida intensa ao invés da vida supostamente medíocre que têm de aguentar seriam muito mais satisfeitas. Todos nos descontentamos e imaginamos vidas melhores e, em algum grau, fazemos besteiras iludidos pela felicidade, que parece dar um passo a cada passo que damos para alcançá-la. A personagem de Flaubert apenas deu mais passos do que a maior parte de nós.
Por isso mesmo, ela resta como um ótimo exemplo. Todos pensamos em fazer o que ela fez e, bem, podemos ao menos ver o que lhe acontece no final: infelicidade atroz, dívidas e suicídio.

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