terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A avarícia

Eugénie Grandet, quinto tomo dos Études de moeurs au XIX siècle, foi escrito por Balzac em 1833. A primeira menção ao projeto e ao título, em suas correspondências, data de 15 de agosto do mesmo ano. O começo do texto é publicado no periódico L’Europe Littéraire a 19 de setembro; um mês depois, Balzac afirma em carta a madame Hanska que o romance já está na metade; segundo Samuel de Sacy, a redação e correção dos manuscritos teria terminado ao início de dezembro, sendo o livro publicado algumas semanas depois, durante o Natal.


Ainda que o romance leve o título de Eugénie Grandet, difícil é não se levar pela idéia de que é seu pai, o velho Grandet, a personagem principal. Ao longo da narrativa, acompanha-se a transformação de ambos: a filha, descobrindo o amor por seu primo, deixa de seguir cegamente as ordens paternas e oferece todo seu ouro ao amado; o segundo, até então um pai de família rígido e poderoso, é tomado pelo demônio da avarícia e, pode-se dizer, enlouquece de amor pelo ouro.


É importante atentar para a história do pai e sua transformação. Em 1789, o viticultor Grandet já gozava de posição confortável. Quando a República colocou os bens do clero à venda, Grandet acabava de esposar a filha de um rico comerciante. Munido de sua própria fortuna e do dote, ele se apropriou – quando não legitimamente, ao menos legalmente – dos mais belos vinhedos de Saumur, de uma abadia e de algumas fazendas. Passando por republicano e patriota aos olhos dos habitantes locais, seu prestígio o conduziu à prefeitura de Saumur, cargo do qual foi destituído por Napoleão. Grandet, enfim, soube aproveitar bem seus capitais e as oportunidades que se lhe mostraram, e, economizando tudo, «mesmo o movimento», tornou-se o homem mais poderoso da região.


A avareza não o domina por completo no início do romance – ou, ao menos, a dominação não é desvelada em seu todo pelo narrador. O zelo extremo que dedica aos negócios e a satisfação que deles usufrui não parecem de todo condenáveis, porquanto não têm como fim a fruição dos prazeres materiais, pelo contrário: ao sermos convidados à casa da família Grandet, deparamo-nos com a austeridade que lá domina. Nada de luxos ou excessos. O que parece dominar Grandet é tanto o envaidecimento pelas próprias posses como o encanto pelo poder que elas lhe dão.


O avarento tem apego excessivo às riquezas. Sua vida se apóia em dois sentimentos: o amor-próprio e o interesse, o segundo se originando do primeiro e os dois, por sua vez, constituindo diferentes partes do mesmo egoísmo. Grandet decerto era um avaro, mas é apenas quando sua filha, apaixonada pelo primo, dá-lhe todo seu ouro, que o deslumbramento de Grandet pela riqueza (ou pelo ouro mesmo) se torna maior do que aquele que tinha pelo poder proveniente da riqueza.


Em Balzac, personagens como Grandet povoam a província francesa do século XIX, e a situação em Paris não é melhor. O ódio intenso que ele dedicou à burguesia não era, segundo Carpeaux, senão conseqüência de sua atitude ideológica: era monarquista, admirador da antiga aristocracia e católico conservador. Se essa atitude não está toda presente em Eugénie Grandet, há no romance, porém, um olhar agudo sobre a avarícia, vista de maneira melancólica como uma realidade cada vez mais inelutável. Que o atestem as palavras do narrador:


«Os avaros não acreditam em uma vida além, o presente é tudo para eles. Esta reflexão projeta uma terrível luz sobre a época atual, onde, mais que em nenhuma outra, o dinheiro domina as leis, a política e os modos. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspira a minar a crença numa vida futura sobre a qual o edifício social se apoiou por mil e oitocentos anos. Agora, o caixão é uma transição pouco temida. O futuro, que nos esperava além do réquiem, foi transposto para o presente. Chegar per fas et nefas [por todos os meios, lícitos e ilícitos] ao paraíso terrestre do luxo e dos gozos vaidosos, petrificar seu coração e macerar o corpo em vista de possessões passageiras, como outrora sofríamos o martírio da vida em vista dos bens eternos, este é o pensamento geral!»

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