terça-feira, 27 de outubro de 2009

Memórias de uma primavera parisiense

Enxerguei, no ralo da pia de meu banheiro, um bom exemplo do processo que me ocorria. Era um ralo normal e eu nunca prestara muita atenção em ralos até então. Mas algo parecia estar diferente. Após algumas semanas de uso da pia, o ralo começou a ser circundado por uma mancha negra de aspecto duvidoso. Chamar aquilo de mancha nos primeiros dias era um exagero, posto não fosse mais que uma linha negra fazendo um pedaço de seu contorno. Mas o que era linha virou mancha, uma espécie de negrume, sem dúvida algum tipo de fungo, adquirindo em partes uma tonalidade acinzentada. Mesmo o resto da pia não escapara ileso, e adquirira um amarelado muito curioso. Se eu tivesse que dizer, arriscaria que era a própria morte que tentava, vagarosamente, sair pelo ralo de meu banheiro.

Ora, fosse quem fosse, a repugnância não era maior que a curiosidade, e aquela mancha me aprazia de alguma forma, nem que fosse pela dúvida, será, pensava, que se ninguém a limpar e ela florescer por meses, poderá tomar conta da pia inteira? A curiosidade mórbida e o acomodamento formam uma aliança de impulsos dificilmente superável.

Paris, abril de 2008

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