quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sobre samba e arrogância

Ontem, no trabalho, conversei rapidamente com o Dionisius sobre samba. Nossa questão era a diferença de qualidade entre o que compositores famosos produziram – Cartola, Nelson, Paulinho – e a maior parte do que se ouve hoje sob o nome de samba. Trata-se de uma questão sobre a qual já refleti diversas vezes: eu gosto muito de samba, é das coisas que mais gosto de escutar; gosto, porém, daquilo que eu mesmo considero «samba», isto é, uma dúzia de cantores e compositores notáveis, e o resto eu acho ruim e nem mesmo considero samba.

Então, posso dizer que, além dos três citados acima, gosto de Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Monarco e toda a velha guarda da Portela, Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, etc. etc. O resto eu rotulo como «pagode». Trata-se de uma diferenciação bastante arbitrária. Sambistas muito bons não vêem problema em chamar de «pagode» a música que fazem, como o faz, por exemplo, Paulinho:

Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar

Segundo me diz a Agenda do Samba e Choro, «pagode, na verdade, não é um estilo, mas a reunião das pessoas para cantar samba». Isso faz sentido e espero um dia poder me debruçar sobre a questão com mais atenção. De qualquer forma, o que importa no momento é que considero «samba» todos os sambas bons e «pagode» todos os sambas ruins. Sim, é uma definição arbitrária e arrogante. E a maior parte de meus amigos que gostam de samba fazem o mesmo.

Para voltar a minha conversa com Dionisius, é impressionante o abismo que separa o samba do pagode. Conheço muita gente que até simpatiza com os sambistas mais antigos, mas tem verdadeira ojeriza do pagode e sua cultura. Neste aspecto, estou de acordo com meu colega de trabalho (chefe, na verdade). Sucede que, para mim, o mesmo acontece com outros estilos populares. No que se refere a blues e jazz, por exemplo, gosto de uma dúzia de músicos, mas me pesa no desgosto toda a degenerescência desses estilos que, não obstante, continua a se entender como blues e jazz. Então, quando eu vejo alguém que sente náuseas ao ouvir falar de pagode, mas que se declara um amante de blues, jazz e rock, pergunto-me se ele tem a consciência de que as distâncias entre samba e pagode, de um lado, e blues e rock, de outro, são da mesma grandeza. Ademais, o pagode costuma ser muito ruim devido a sua proposta puramente comercial. O que dizer, porém, de ruídos chamados de «trash metal», «black metal melódico» e outras excrescências? Os sujeitos que produzem essas coisas não têm nem mesmo a desculpa da proposta comercial. Eles não fazem música pra se vender, eles apenas são ruins e têm um péssimo gosto – e não só para a música, suas vestimentas demonstram total falta de compreensão da realidade mesma.

A propósito, acho ridículo um sujeito que gosta de cultura popular e faz discursos esnobes e elitistas. Um sujeito como eu. Você sabe, daqueles que diz «nossa, você gosta desse rock moderninho? Eu só ouço Black Sabbath». O que ele quer, aplausos? É particularmente ridículo quando o sujeito não tem a menor percepção de que o está sendo. Ou como fez uma amiga minha, de quem gosto muito, que disse não admitir que seu namorado nunca tivesse lido Nietzsche. Sem entrar no mérito do que realmente vale o filósofo alemão, trata-se da típica arrogância de amantes da cultura popular. Imagino o constrangimento que minha amiga passaria se fizesse seu comentário diante de alguém cujas referências são mais profundas.

- Eu não posso namorar com um cara que nunca leu Nietzsche!
- E você já leu, digamos [pigarro], Aristóteles ou Sto. Tomás?
- Não.
- Já leu Tucídides ou Heródoto?
- Não.
- Já ouviu Jean-Philippe Rameau ou Domenico Scarlatti?
- Nunca.

Ou se essa amiga, um dia, gostar de um rapaz de bom gosto e ouvir dele:

- Sinto muito, mas eu não posso namorar com alguém que não saiba qual é o movimento da terceira parte do primeiro dos Brandenburgische Konzerte.

Um comentário:

Felipe Sabino disse...

Me recuso a discutir esse assunto com um cara que nem sequer faz faculdade de Filosofia.

Por acaso você já leu Wittgenstein?
Heidegger? O que pensa da obra de David Hume?

Acho q vou ouvir um pagode.